Cientistas avaliam mutações da Ômicron e refletem sobre efeito das vacinas | Veja Saúde
Apesar de a ômicron ter emergido como uma variante de preocupação apenas em novembro de 2021, todas as mutações existentes nela, exceto uma, já haviam sido descritas anteriormente.
Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), apoiados pela FAPESP, atribuem a esse fator a eficácia das vacinas atuais contra a variante, refletida no relativo baixo número de casos graves e mortes, apesar da maior transmissibilidade da nova cepa.
A hipótese foi levantada pelos cientistas numa carta ao editor publicada no Journal of Medical Virology.
“Os dados disponíveis até agora nos fazem crer que as vacinas atuais são de fato eficazes, respeitando as devidas proporções, contra todas as variantes do vírus. E possivelmente serão contra as outras cepas que vierem a surgir”, afirma Ricardo Durães-Carvalho, pesquisador da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) apoiado pela FAPESP e coordenador do estudo.
Ainda em outubro de 2021, antes de a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhecer a emergência da ômicron, outro estudo liderado pelo pesquisador, publicado na plataforma medRxiv e em processo de revisão por pares, descreveu a ocorrência de uma série de mutações compartilhadas entre diferentes variantes.
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O grupo analisou mais de 200 mil genomas do SARS-CoV-2 e de outros coronavírus humanos. Foram encontradas mutações iguais em diferentes cepas, que poderiam servir como alvos de futuras vacinas.
“A ômicron corrobora nosso estudo. Das 35 mutações da variante existentes na proteína spike [usada pelo SARS-CoV-2 para se conectar com o receptor da célula humana e viabilizar a infecção], apenas uma não era conhecida. Vinte e cinco estão nas chamadas RBD [domínio de ligação ao receptor] 15 e RBM [motivo de ligação ao receptor] 10, regiões em que o vírus se liga às células humanas e, portanto, potenciais alvos para anticorpos neutralizantes”, explica Durães-Carvalho.
“Isso pode explicar por que a vacinação tem sido eficaz até aqui, embora nenhuma vacina no mercado tenha sido planejada especificamente para a ômicron. Apesar de não impedirem a transmissão, os imunizantes têm evitado mais casos graves e mortes quando comparamos essa nova onda com outras ocorridas quando não havia vacinas ou uma menor parcela da população havia completado o esquema vacinal”, diz Robert Andreata-Santos, que realiza estágio de pós-doutorado na EPM-Unifesp com bolsa da FAPESP, primeiro autor da carta.
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Os pesquisadores esclarecem que a carta é baseada nos dados existentes até o momento sobre a ômicron e nos genomas que foram sequenciados das outras variantes. Apenas o desenrolar da pandemia, afirmam, é que pode confirmar ou não as hipóteses.
Mutações compartilhadas
No estudo publicado em outubro, que contou com outros coautores, os pesquisadores analisaram a dinâmica de dispersão e a evolução viral ao longo do tempo no Brasil, na China, nos Estados Unidos e na Índia, de fevereiro a agosto de 2021.
Os dados mostraram um aumento no número de regiões do genoma do SARS-CoV-2, sobretudo na proteína spike, sob o que os pesquisadores chamam de evolução convergente.
Isso quer dizer que mesmo variantes diferentes podem sofrer mutações iguais, uma vez que essas alterações podem trazer vantagens para o vírus, como escapar do sistema imune ou se ligar melhor ao receptor das células humanas.
“Mostramos que a maioria esmagadora das mutações foi resultado desse fenômeno”, esclarece Carla Torres Braconi, professora da EPM-Unifesp e outra coordenadora do estudo publicado em outubro de 2021.
Braconi é uma das pesquisadoras associadas a um projeto apoiado pela FAPESP, coordenado por Luiz Mário Ramos Janini, professor da EPM-Unifesp e coautor da carta publicada agora no Journal of Medical Virology.
Em fevereiro de 2021, nove posições diferentes na proteína spike do SARS-CoV-2 foram detectadas como as que mais sofreram mutações direcionais, número que subiu para 14 até julho do mesmo ano.
Com a introdução da variante delta, além de mais posições na proteína spike do vírus sob evolução convergente, os pesquisadores observaram ainda sinais do que eles chamam de recombinação – fenômeno que consiste na troca de material genético entre diferentes cepas, um dos fatores que podem levar ao surgimento de novas variantes.
Sinais de recombinação foram observados envolvendo a ômicron também.
Em dezembro, os pesquisadores analisaram os dados de 146 genomas da variante coletados em Hong Kong, Botsuana, África do Sul, Canadá, Austrália, Itália, Bélgica, Israel, Áustria, Inglaterra e Alemanha.
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Evidências de recombinação apareceram somente quando as sequências da beta, delta e ômicron foram alinhadas, indicando que a circulação de diferentes variantes pode propiciar esses eventos.
“Um aumento na circulação do vírus aumenta as chances de um mesmo indivíduo se infectar por diferentes variantes e, portanto, gerar essa troca de material genético entre as variantes”, esclarece Danilo Rosa Nunes, que realiza doutorado na EPM-Unifesp e é primeiro autor do artigo de outubro.
Agora, o grupo pretende verificar como se comportam o soro e o plasma sanguíneo de pacientes imunizados frente às diferentes variantes do SARS-CoV-2 com as mutações encontradas.
“Queremos saber, por meio dos chamados ensaios de soroneutralização, se esses indivíduos conseguem neutralizar as diferentes variantes, incluindo a ômicron”, informa Braconi.
Outro desdobramento possível é a utilização de modelos computacionais para tentar prever o que cada mutação altera na proteína spike e na capacidade de ligação do vírus com as células humanas.
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Combinados, os resultados desses experimentos podem ajudar a elucidar o possível efeito dessas mutações compartilhadas por diferentes variantes, podendo no futuro se tornar alvos de vacinas ainda mais eficazes.
Como os próprios pesquisadores reconhecem, ainda não é possível ter certeza de que as vacinas atualmente disponíveis permanecerão eficazes contra eventuais novas cepas do SARS-CoV-2 que venham a surgir.
Desse modo, evitar aglomerações, usar máscaras de boa qualidade e completar o esquema vacinal, por enquanto, continua sendo a melhor estratégia para desacelerar o processo de evolução viral e, assim, minimizar o risco de mutações inéditas que favoreçam o escape imunológico.
*Esse texto foi publicado originalmente na Agência Fapesp