Sprays nasais para evitar vírus e bactérias funcionam mesmo? | Veja Saúde
Buscando novas formas de proteção contra problemas respiratórios, laboratórios desenvolveram sprays nasais que criam barreiras físicas dentro do nariz para impedir vírus e bactérias de entrar no organismo. Mas será que eles realmente funcionam? E há eficácia em relação ao coronavírus?
A Zambon, por exemplo, acaba de lançar o Filtrair. Trata-se de uma mistura de celulose e hortelã em pó, aplicada por um spray, que promete criar uma espécie de camada protetora que prende os germes aspirados pelo usuário.
Aí, o agente infeccioso é eliminado na secreção nasal. Ou, caso seja ingerido, é destruído ao entrar em contato com os ácidos do estômago. Ele deve ser reaplicado a cada seis horas.
Há também o Vick Primeira Proteção, da P&G Health, que tinha saído de linha há alguns anos, mas foi relançado. Ele deve ser aplicado a cada quatro horas, no máximo quatro vezes por dia. Nesse caso, a tecnologia usada é um mucoadesivo em microgel, que protegeria apenas de vírus responsáveis pelo resfriado comum.
Mais recentemente, chegou ao Brasil o Taffix, da fabricante israelense Nasus Pharma. Esse já trouxe alegações específicas contra o coronavírus em um comunicado à imprensa. Segundo o documento, ele “ajuda a capturar e matar 97% dos vírus, incluindo o Sars-CoV-2”.
O que temos de estudos sobre o assunto?
Os três são aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Porém, não estão registrados como medicamentos, e sim como produtos para saúde. Essa categoria engloba itens destinados a prevenção, diagnóstico, tratamento ou reabilitação que não utilizam meio farmacológico, imunológico ou metabólico para atuar no corpo. O processo de aprovação nesse modelo é consideravelmente menos rigoroso do que o de um medicamento tradicional.
A Zambon afirma que pesquisas preliminares apontam resultados positivos com o Filtrair para evitar bactérias e vírus em geral — incluindo o Influenza, causador da gripe. Mas o benefício alegado se baseia em testes no laboratório, não em situações de vida real. A assessoria de imprensa do laboratório informou que estudos estão sendo conduzidos com o coronavírus no momento.
Já a criação da P&G se fundamenta principalmente em uma pesquisa de 2007 com 441 indivíduos, nos Estados Unidos. O spray nasal da marca amenizou em 17% a gravidade dos sintomas de resfriado nos voluntários, quando comparado a outros participantes que aplicaram uma substância placebo.
Recentemente, a empresa fez um experimento in vitro (dentro do laboratório), no qual a sua tecnologia mucoadesiva demonstrou diminuir a carga do novo coronavírus em 99,5% no primeiro minuto de exposição. Quando o tempo aumentou para cinco e dez minutos, a redução foi maior.
Porém, a própria P&G alerta que esse é um dado inicial e distante do mundo real. São necessárias novas análises para validar qualquer afirmação sobre a prevenção da Covid-19.
Já o produto Taffix foi testado em membros de uma sinagoga da cidade de Bney Brak durante o Rosh Hashaná (o ano novo judaico), um evento que gera aglomerações. O produto foi oferecido a alguns indivíduos, que também deveriam usar as formas tradicionais de prevenção contra o coronavírus. Resultado: 10% das pessoas que não aplicaram o spray foram infectadas, ante 2,4% dos usuários. Mas atenção: o estudo não foi publicado em um periódico científico, o número de voluntários era pequeno e a metodologia empregada não permite tirar conclusões assertivas.
Segundo o biólogo João Batista Calixto, vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) – Regional Santa Catarina e Rio Grande do Sul, é necessária uma boa dose de cautela. “Fazer estudos in vitro ou com poucos voluntários em situações específicas não é suficiente. É preciso comparar os resultados com um grupo placebo, por exemplo”, informa o biólogo, que também é diretor do Centro de Inovação em Ensaios Pré-Clínicos (Cienp).
A Zambon, a P&G e a Nasus Pharma frisam que seus produtos seriam instrumentos adicionais de proteção contra infecções respiratórias. Ninguém deve recorrer a eles e abrir mão das medidas tradicionais (higienização das mãos, ventilação dos ambientes, uso de máscara e distanciamento social).
“Eu me preocupo em como esses sprays serão divulgados, ainda mais no meio de uma pandemia”, diz Calixto. “É preciso deixar claro que eles, no máximo, auxiliariam na prevenção, o que não está comprovado. Não dá para vendê-los como tratamento”, arremata.
Além disso, é crucial reforçarmos que não há eficiência comprovada contra o Sars-CoV-2 na vida real. Se você optar por utilizar esses sprays — de preferência após consultar um profissional —, lembre-se de que eles não dispensam as medidas comprovadamente benéficas contra a Covid-19 e outros germes. “Até porque os vírus e as bactérias não entram no organismo só pelo nariz, mas também por olhos e boca”, finaliza o biólogo.