Um método alternativo para rastrear o câncer de mama? | Veja Saúde
O câncer de mama, como já foi apontado neste espaço, é o mais incidente entre a população feminina mundial, a principal causa de morte específica por câncer e a segunda dentre todas as causas de mortalidade em mulheres, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Só no Brasil o Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima mais de 66 mil diagnósticos em 2019 e mais de 18 mil óbitos pela doença.
O processo de formação dos tumores de mama ainda não é totalmente compreendido, o que dificulta traçar medidas 100% efetivas à prevenção. Ainda assim, o diagnóstico precoce amparado por alguns exames é uma das melhores estratégias para ampliar as chances de cura e qualidade de vida.
Nesse contexto, a mamografia é considerada o exame padrão ouro com o objetivo de detectar tumores pequenos. Diversos estudos mostram redução da mortalidade por câncer de mama entre as mulheres que fazem o rastreamento mamográfico em comparação às que não o fazem.
Mas o método apresenta algumas limitações, principalmente nas mamas que não são predominantemente gordurosas, e outros exames podem ser utilizados como complementares, caso da ultrassonografia, da ressonância e da mamografia com contraste.
O uso da inteligência artificial está aumentando de forma exponencial na medicina e não poderia ser diferente quando falamos em câncer de mama.
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Já temos pesquisas mostrando que ela auxilia na leitura e interpretação de mamografias, ultrassons e ressonâncias. Outra aplicação visando ao rastreamento da doença se dá com a termografia.
A termografia é uma técnica que utiliza a radiação infravermelha emitida pelo corpo convertida em valores de temperatura e mapeada em uma imagem. Foi inicialmente muito utilizada na área militar.
A primeira imagem térmica para auxiliar o diagnóstico de um tumor na mama foi obtida em 1956 em Montreal, no Canadá. Em 1982, a FDA, agência que regula o mercado de saúde americano, aprovou o método para ser utilizado em conjunto com a mamografia
Mas a tecnologia térmica mais primitiva foi desacreditada entre os médicos devido às altas taxas de diagnósticos falsos e de falhas na detecção da doença.
Com o tempo, foram feitos melhoramentos no padrão de imagem e hoje se estuda a associação da termografia com o uso da inteligência artificial. A ideia é aumentar a precisão do exame, pois o olho humano não diferencia padrões térmicos diferentes tão facilmente.
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Com um sistema automatizado e inteligente, portanto, conseguiríamos identificar melhor padrões e ter mais precisão e qualidade no exame. Ainda assim, mesmo com o aperfeiçoamento da tecnologia, a eficácia da termografia é controversa.
Antes de oferecer a técnica aliada à inteligência artificial como algo revolucionário para rastrear o câncer de mama, precisamos realizar mais estudos, contemplando todos os estágios do tumor, mamas grandes, mulheres obesas, entre outras condições.
Os levantamentos preliminares sobre o método mostram que seus resultados são subjetivos e inconsistentes no diagnóstico do câncer de mama. Daí o ceticismo da comunidade médica e a perda de interesse pela tecnologia.
Mesmo somada à inteligência artificial, a termografia enfrenta o desafio da falta de estudos robustos e de qualidade e a escassez global de bancos de dados clínicos públicos.
Para obter resultados consistentes, são necessárias mais investigações quanto à interpretação de imagens térmicas e o estabelecimento de protocolos padronizados.
Além disso, ainda existem limitações importantes do método, como a dificuldade em diferenciar o câncer de mama e áreas de inflamação, por exemplo, e a existência de fatores que podem influenciar o resultado do exame, como temperatura ambiente (ela deve estar entre 18 e 25º C) e ingestão de chá ou café.
Como conclusão, pelos dados atuais, não dá para dizer que a termografia associada à inteligência artificial poderá substituir a mamografia como método de rastreamento do câncer de mama. Ainda aguardamos novas pesquisas para estabelecer seu papel definitivo na detecção da doença.
* Eduardo Carvalho Pessoa é mastologista, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia – Regional São Paulo e médico do Centro de Avaliação em Mastologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp)