Terapia revolucionária contra o câncer é aprovada no Brasil | Veja Saúde
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a primeira terapia CAR-T no Brasil. Trata-se de uma técnica inovadora, que reprograma as células do sistema imune para que elas sejam capazes de detectar e destruir o câncer.
A terapia, já em uso há algum tempo na Europa e nos Estados Unidos, será trazida ao Brasil pela farmacêutica Novartis. É considerada revolucionária não apenas pelo seu modo de ação, que explicaremos mais abaixo, mas também pelo alto índice de sucesso – em alguns casos, até 50% dos pacientes são curados.
“Ela oferece uma esperança para tipos de câncer sanguíneos agressivos, que não responderam a outros tratamentos, em um cenário onde a expectativa de vida é de meses”, aponta o onco-hematologista Jayr Schmidt Filho, líder do Centro de Referência de Neoplasias Hematológicas do A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo.
Por aqui, será indicada para dois tumores sanguíneos: leucemia linfoblástica de células B entre crianças e adultos de até 25 anos; e linfoma difuso de grandes células B entre adultos.
Em ambos os cenários, funcionará como uma terceira linha de tratamento – ou seja, quando dois outros métodos, como quimioterapia e transplante de medula, já falharam.
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Mas a expectativa é que, com o tempo, a abordagem comece a ser usada mais cedo. “As terapias disponíveis hoje contra essas doenças não são tão boas, então se espera que, em breve, essa indicação não seja só para casos avançados, mas também para os mais iniciais”, aponta o hematologista Marco Aurélio Salvino, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
O problema é o preço. Embora o valor ainda não esteja estabelecido por aqui, lá fora o tratamento sai por cerca de 300 mil dólares.
Ou seja, estamos falando provavelmente de milhões de reais por indivíduo tratado no Brasil. “A CAR-T é inovadora, curativa, mas a sustentabilidade será um grande desafio para as operadoras de saúde e para o sistema público”, comenta Schmidt.
Como a CAR-T funciona
O método é considerado uma mistura de terapia celular (como as de células-tronco), imunoterapia (pois usa as defesas do próprio corpo) e terapia gênica (que envolve algum tipo de interferência no código genético). “Chamamos de droga viva”, resume Salvino.
Nesse esquema, os linfócitos T, células que fazem parte do nosso sistema imunológico, são extraídos do corpo e passam por um processo de engenharia genética por meio de um vetor viral.
Traduzindo: um vírus criado em laboratório, incapaz de provocar doenças, viaja até o núcleo da célula e insere uma nova informação no DNA. É como um manual de fabricação para que a célula instale um detector em sua superfície, capaz de reconhecer os linfócitos B, a linhagem de células atingidas pelo câncer.
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A célula “turbinada” é, então, devolvida ao corpo do paciente. “A partir daí, passa a atacar as células doentes quase instantaneamente ”, aponta Schmidt. O esquema funciona bem, por isso anima tanto os médicos.
“Além do fato de apresentar uma taxa de eficácia muito superior em casos refratários, a CAR-T tem um potencial de ser um tratamento menos tóxico, pois usa as células da própria pessoa, diferente da quimioterapia, por exemplo”, destaca Salvino.
Mas há alguns cuidados – até por conta disso a aplicação ocorrerá em centros que passarem por uma qualificação complexa. Um dos pontos principais é que, justamente por gerar uma resposta imune tão rápida, pode acontecer uma tempestade inflamatória como a da Covid-19.
“Existe ainda o risco de alterações neurológicas, mas são eventos manejáveis e transitórios. Só é necessário ter uma equipe bem treinada para atender esse paciente. Em outros países, ela é aplicada desde 2017 de maneira segura, com protocolos bem claros de tratamento”, pontua Schmidt.
Logística delicada
Para que todo o processo dê certo, a célula é retirada em um esquema parecido com o de uma hemodiálise. Os linfócitos T são separados enquanto o sangue passa por uma máquina e as células extraídas são congeladas.
Dos centros brasileiros, elas vão para fábricas na Europa ou nos Estados Unidos, onde são preparadas e recongeladas. O vai e volta demora cerca de um mês, mas a aplicação em si é rápida: basta uma sessão de infusão intravenosa e pronto. Depois, são mais alguns dias de internação para acompanhar possíveis reações adversas.
Enquanto espera por suas células turbinadas, a pessoa pode precisar de quimioterapia para conter o avanço da doença – o quadro costuma evoluir rapidamente.
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O CAR-T brasileiro
O tratamento ainda não passou pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Mas, dada a sua complexidade, deve chegar ao país na casa dos milhões de reais, como as outras terapias gênicas.
A Novartis não tem planos de fazer a manipulação das células aqui, mas o Brasil tem a sua própria tecnologia CAR-T, desenvolvida no Centro de Terapia Celular da Universidade de São Paulo (CTC-USP), em Ribeirão Preto/SP. A produção nacional é mais barata pois não depende de alguns processos da indústria.
Em 2019, os pesquisadores de lá chegaram a curar um homem de 61 anos com linfoma em fase terminal. O laboratório foi reformado e os estudos de fase 1 e fase 2, que testam segurança e eficácia, estão em andamento.
Mas, para que uma versão brasileira mais acessível seja viável, será preciso pular o muro da academia. “Eles têm toda a expertise, mas em âmbito experimental, dificilmente uma universidade consegue fazer isso em larga escala”, comenta Schmidt.
Ou seja, depende do interesse tanto da indústria quanto do governo. É bom trazer esse debate à tona. Com a chegada de mais e mais terapias gênicas revolucionárias (mas que custam milhões de reais) para doenças raras, precisamos pensar em como fazer para que mais pessoas se beneficiem delas.